Sigeia

SIGEIA

La Subsecretaría de Gestión para la Protección Ambiental con la Dirección General de Impacto y Riesgo Ambiental (DGIRA), desarrollaron un sistema de información geográfica que permitiera apoyar las tareas de evaluación del impacto ambiental a través del análisis espacial de geometrías.

Objetivo
Permitir el acceso al público en general (Ciudadanía, promoventes, consultores, ONG´s, Universidades, diferentes niveles de gobierno) al SIGEIA, con el fin de que las y los usuarios puedan tener un panorama de la ubicación de su proyecto dentro del contexto ambiental respecto a los instrumentos de planeación ambiental, proporcionándole información cartográfica y un análisis espacial.

Beneficios

  • Facilidad para generar el análisis espacial (Cuantificación de la superficie del proyecto que incide en cada uno de los diferentes instrumentos de planeación ambiental).
  • Elaboración de diversos mapas de manera fácil y rápida, respecto a la ubicación del proyecto con cada uno de los instrumentos de planeación ambiental.
  • Obtención del archivo de la ubicación del proyecto en formato kml (Google Earth®).
  • Creación de archivos con las coordenadas geográficas de la ubicación del proyecto.
  • Generación de tablas de fácil entendimiento de cada uno de los resultados del análisis espacial.
  • Identificación de restricciones o limitaciones para desarrollar su proyecto y que puedan ser causa de una negativa por parte de la autoridad.
  • Integración de imágenes de satélite (Google Maps® y Ortofotos del INEGI).
  • Opción de diversos métodos para ingresar la ubicación del proyecto (shp, kml, dxf, csv, Captura en pantalla de las coordenadas y dibujar en pantalla).
  • Corroboración de las coordenadas que las y los promoventes obtiene para su proyecto y que además incluye en los estudios de MIA, obteniendo certidumbre respecto a la correcta ubicación del proyecto.
  • Diseño amigable.

Podrás conocer si el sitio donde se desarrollará tu proyecto, sujeto a evaluación de impacto ambiental, se encuentra total o parcialmente dentro de algún área de importancia ambiental, como por ejemplo:

  • Áreas Naturales Protegidas (Federales, Estatales y Municipales),
  • Regiones prioritarias (Terrestres, Hidrológicas y Marinas),
  • Ordenamientos Ecológicos (Regionales, Locales y Marinos),
  • Uso del suelo y vegetación, y
  • Otros (Sitios Ramsar, AICAS, UMAS y manglares)

Además de incluir información adicional como:

  • Estados,
  • Municipios,
  • Microcuencas, y
  • Suelos

¿Cómo realizar el análisis espacial en SIGEIA?

  • Ubica y captura tu proyecto, con alguno de los siguientes métodos:
  • Dibújalo en pantalla,
  • Escribe o adjunta las coordenadas (txt o csv) o
  • Adjunta un archivo con geometrías vectoriales (shp, kml o dxf)

Genera el Análisis espacial, pulsando el botón con la leyenda: «Sí y quiero generar análisis espacial»
Guarda y utiliza los resultados:

  • Tablas de superficies de incidencia por tema
  • Archivo kml
  • Vista de impresión

Pulsa el siguiente link para ingresar al sistema —-> https://mapas.semarnat.gob.mx/sigeia/#/pub/sigeia  <—-

 

 

  • 1

    Coronado

    , 1854, t. 1, p. 17.

Separóse de la ventana, y se sentó cerca de una mesa donde se veia un gran pliego con párrafos escritos en distintos idiomas. El primero en latin, el segundo en griego y el tercero se puso à continuarlo en hebreo. Escribió tranquilamente algunas líneas, y se levantó varias veces para hojear pergaminos y registrar diccionarios. Una hora trabajaria, y sofocada se acercó à la ventana para respirar el aire fresco […]. El cuarto párrafo de esta carta habia de ir escrito en siriaco, y aun faltaba el párrafo quinto que iria en arábigo. La Sigea escribió con ardor dos horas más. Concluyó, cerró su carta y la puso la direccion: Al Pontífice Paulo III. Vistióse luego de ceremonia, y se dirigió al salón de la princesa .

  • 2

    Vid.

    Pinto

    , 1996, t. 1, p. 16.

  • 3

    Coronado

    , 1854, t. 1, p. 12.

  • 4

    Coronado

    , 1854, t. 1, p. 14.

1É a redigir a epístola que iria emancipar a sua personalidade erudita perante a corte portuguesa – a carta poliglota enviada ao papa Paulo III – que Carolina Coronado nos apresenta Luísa Sigeia pela primeira vez no palco principal da novela a quem ela empresta o apelido: La Sigea. A narrativa inicia‑se em meados do século xvi, mais precisamente no primeiro dia de Maio do ano de 1550. Diz‑nos Coronado que «Hoy es el cumpleaños de la princesa Doña María [erradamente, pois a infanta nasceu a 8 de Junho ], y hay ceremonia à la que no puede menos de concurrir la dama española» . Na corte, para a dita cerimónia, estão reunidos cortesãos de diferentes gerações, todos ansiando o momento de ver a poliglota Sigeia (não a infanta, note‑se) que, segundo a romancista, durante as manhãs em que os moços a procuram nas janelas que rodeiam o bosque palaciano, ela «permanece oculta en el fondo de su habitacion todo el tiempo que la dejan libre sus tareas en el cuarto de la princesa» .

  • 5

    Na realidade, os dois eram meios‑irmãos, compartilhando apenas o pai, D. Manuel, antecessor de D.  (…)

2Ficção à parte, Coronado evidencia, com tremenda clareza, a vivência de Luísa na corte da infanta D. Maria (1521‑1577), a Sereníssima, irmã de D. João III (1502‑1557). O seu papel primordial, que parece ter sido autoproposto, cinge‑se ao estudo das letras antigas, clássicas e orientais; por outro lado, este exercício caminha a par com o desempenho de funções na Casa da infanta que a acolhe e são essas as tarefas que lhe ocupam parte do seu tempo – momentos em que não lhe é permitido cultivar a alma. Portanto, a corte que lhe dá um espaço privilegiado de trabalho é a mesma que a prende numa sociabilidade aparentemente indesejada, onde não existe tempo suficiente para os estudos.

3Este seria, talvez, um dos muitos cenários que enfrentariam as puellae doctae nas cortes europeias, nomeadamente as ibéricas, principalmente no século xvi, anos devedores do desenvolvimento cultural protagonizado pelas mulheres do século anterior. Herdeiras, ao mesmo tempo, de uma situação social de excepcional abertura de mentalidades e recebedoras das primeiras novas limitações que lhes começavam a ser impostas (e que se consumariam nas restrições que adornariam os séculos ulteriores), as puellae doctae quinhentistas percorriam um caminho sinuoso entre a norma moral e a marginalidade social, um trapézio que tanto as elevava ao topo, tornando‑as cânones femininos, como as deixava cair, concedendo‑lhes, na mais comum das hipóteses, o esquecimento colectivo. Por isso, a vida nestas cortes poderia representar privilégio, poder e riqueza, mas poderia significar, também, uma vida de subserviência para as mulheres que dela subsistiam.

  • 6

    Para facilitar a leitura, de agora em diante, abreviaremos para Colloquium.

  • 7

    Inès Rada apresenta uma perspectiva muito interessante sobre o Colloquium (vid. 

    Rada

    , 1994, p. 345 (…)

4A cronografia de Luísa Sigeia não é ímpar nem dissemelhante à de outras mulheres eruditas, suas antepassadas ou conterrâneas (e, até mesmo, vindouras), mas o seu caso é um exemplo paradigmático desta condição ambivalente da corte. Aliás, a poliglota fixou, no papel, esta bipolaridade social que teve oportunidade de experienciar em nome próprio. O seu Duarum virginum colloquium de vita aulia et privata é fruto da infelicidade que se eternizaria junto dos elogios e merecimentos que a autora recebia no círculo cortesão (e fora dele). A obra, escrita como um diálogo feminino, contrapõe duas visões existenciais diferentes: a da vida na corte e a da vida retirada, defendidas, respectivamente, por Flamínia e Blesila . A discussão, que se prolonga por três dias, repleta de citações em latim, grego e hebraico, não impede Flamínia de se manter a viver na corte, apesar de Blesila lhe aconselhar o contrário, visto que, na corte, prevalece um ambiente de vaidade, egoísmo e ingratidão por parte dos nobres.

5De forma mais ou menos explícita, Luísa refere o seu tempo ao serviço das mulheres da Casa real portuguesa, com pesar, revelando um vazio que se agrava com os últimos anos em Espanha. Esta exteriorização não é irrepetível: também o epistolário da poliglota patenteia uma profunda insatisfação quanto à posição social que esta ocupa no ambiente cortesão. A figura de Blesila parece surgir como uma personificação de Luísa, sobretudo se atentarmos aos conteúdos das suas cartas, aliando‑os à cronologia em que se conceberam estes escritos.

6Assim, neste artigo, propomo‑nos perscrutar a vida das puellae doctae nas cortes ibéricas, e, principalmente, a relação que se criava entre ambas, através da perspectiva de Sigeia: o que significava, para ela, servir a corte em momentos e conjunturas diferentes e de formas tão distintas; de que forma é que ela se apresenta simbolicamente perante este universo, procurando alcançar a visão sigeiana sobre o meio cortesão, compreendendo as suas trajectórias, formas de poder, influências e reconhecimento por parte do núcleo humanista onde ela se inseria e dos membros cultos fora desse círculo; e, finalmente, quais as suas hipóteses de sobrevivência social enquanto mulher de letras. Importa, por isso, destacar, primeiramente, a sua educação humanista, prolongada entre os dois reinos peninsulares, para, posteriormente, compreendermos a sua vida na corte e tudo o que ela envolveu.

  • 8

    Lançámos uma hipótese sobre a ascendência desta figura (vid. 

    Monteiro

    , 2019 [a], p. 49‑70). Outra (…)

  • 9

    Vid. 

    Monteiro

    , 2019 (b).

  • 10

    Vid. 

    Pérez Ramírez

    , 1994, p. 161.

  • 11

    Vid. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (ANTT), Chancelaria de D. João III, Doações e Mercês, livr (…)

  • 12

    Vid. «Registo das provisões, fol. 196v‑197», in:

    Dias

    , 1964, t. 1, p. 366.

  • 13

    Vid. 

    Alves

    , 1990, p. 61.

  • 14

    Vid. 

    Pinto

    , 1996, t. 1, p. 23.

  • 15

    Ângela correspondeu-se intensamente com a duquesa de Bragança, D. Catarina (1540‑1614), futura can (…)

  • 16

    Confirmando-se a hipótese que lançámos sobre a sua ascendência, isto é, se a mãe das Sigeia for fi (…)

7Luísa (1522‑1560) nasceu no seio de uma família mista, ligada, por um lado, às letras, e, por outro (e em parte) à nobreza. Os seus pais eram D. Francisca de Velasco , fidalga castelhana, e Diogo Sigeu , humanista de origem francesa, preceptor de D. María Pacheco e mestre dos filhos do duque de Bragança. Luísa partilhava o afecto dos progenitores com mais três irmãos: Diogo (ca. 1511‑?), António (ca. 1517‑1575) e Ângela (†1608). Toda esta prole esteve, de alguma maneira, ligada à vida cortesã. Diogo foi, entre outros, capelão dos duques de Bragança ; António foi escrivão da câmara de D. João III , D. Catarina e D. Sebastião ; e Ângela foi música na corte da infanta D. Maria , tendo contraído matrimónio com um desembargador do paço, Antão Mogo de Melo . Portanto, destes cinco membros da família, apenas a mãe não terá desempenhado um ofício cortesão, segundo as parcas informações que possuímos sobre a sua vida .

  • 17

    Vid. 

    Parker

    , 2004, p. 601.

  • 18

    Vid. «Carta de un escolástico toledano a Luisa Sigea (1542)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 147-14 (…)

  • 19

    Ano em que a futura comunera se mudou de Granada para Toledo, acompanhada pelo seu marido, Juan de (…)

8A sua educação terá começado quando a jovem vivia ainda em território espanhol. Tal como, por exemplo, Hipólita Sforza, que se embrenhou nos estudos ao lado dos dois irmãos vais velhos, ainda que num ambiente diferente , Luísa terá também estudado com os seus irmãos, principalmente o mais velho, que estariam ao cuidado de mestres como Juan de Vergara, a quem Sigeia terá enviado uma carta com boas novas, recebendo copiosos elogios em resposta . Estes mestres terão actuado em substituição do próprio pai, quando este entrou ao serviço de D. María Pacheco (possivelmente em 1518) . Quando crianças, e ainda sem mestres, provavelmente, a sua mãe ter‑lhes‑á dado a conhecer, tanto aos filhos, como às filhas, as primeiras letras.

  • 20

    Vid. 

    Parker

    , 2004, p. 600.

9Apesar de não termos certezas sobre a ascendência da figura materna, é provável que D. Francisca tivesse algum tipo de ligação aos estudos – poderia ser instruída e, não o sendo, poderia ter alguém na família que o fosse. Compreender‑se‑ia, assim, o seu incentivo educacional em relação aos filhos, fosse de forma lúdica, fosse com o intuito de os introduzir nos estudos (ou ambos), numa atitude semelhante à da mãe de Isotta e Ginevra Nogarola, duas irmãs que foram ensinadas por Martino Rizzoni a pedido da progenitora .

  • 21

    De carácter complexo, a revolta das Comunidades pode ser interpretada através de diferentes lentes (…)

  • 22

    Sobre a participação de Sigeu na revolta das Comunidades, vid. 

    Monteiro

    , 2019 (b).

  • 23

    É elucidativa a nota que Stephanie Fink de Backer elabora sobre esta questão: «While Isabelline mo (…)

  • 24

    Vid. 

    Backer

    , 2004, p. 72.

10A ausência do pai humanista da primeira paisagem pedagógica que rodeava Luísa explica‑se pelo seu envolvimento na revolta das Comunidades de Castela (1520‑1521) , implicação que terá surgido como consequência directa do seu serviço à futura líder da resistência toledana . Parece‑nos importante realçar que D. María Pacheco (ca. 1496‑1531) poderia ter sido uma das puellae doctae que enriqueceriam a corte de Isabel a Católica, não fosse esta participação à margem do seu dever enquanto mulher . Educada ao lado da irmã e dos irmãos por humanistas como Pedro Mártir de Anghiera e Hernán Núñez de Toledo , Diogo Sigeu apenas completou a sua formação, ensinando‑lhe latim (que já lhe seria muito familiar) e grego.

  • 25

    Amores Pérez

    , 2008, p. 201.

11Com a eclosão da insurreição, Sigeu manteve‑se ao lado de D. María Pacheco, sendo um dos poucos a integrar o seu séquito de fuga para Portugal, aquando da vitória de Carlos V (1500‑1558). A entrada em território português foi feita por Castelo Branco, a 3 de Fevereiro de 1522, tendo a comitiva de D. María percorrido, durante cerca de três meses, as cidades da Guarda, Viseu e Porto. Por fim, a viúva e o seu séquito foram acolhidos em Braga, por D. Diogo de Sousa, arcebispo da cidade, onde permaneceram «tres o cuatro años [estando D. María] muy doliente» .

  • 26

    Loc. cit. Sabemos que um dos seus irmãos, D. Diego Hurtado de Mendoza (1503/1504‑1575), poeta e fu (…)

  • 27

    Vid. 

    Amores Pérez

    , 2008, p. 202.

  • 28

    Vid. 

    Pérez

    , 1970, p. 621-622.

12Muitos servidores de D. María lograram os perdões oferecidos pelo rei‑imperador e regressaram a Castela, abandonando a líder comunera. Não havendo melhoras do seu estado de saúde, a mulher de Padilla mudou‑se, novamente, para o Porto, albergando‑se nas casas do bispo da cidade, D. Pedro da Costa. Nos seus últimos anos, apenas permaneciam a seu lado Diogo Sigeu, Diego de Figueroa, o bacharel Juan de Sosa (seu capelão) e «la más familia [que] tomó acá en Portugal» . D. María Pacheco acabaria por morrer no exílio, no Porto, em Março de 1531 , sempre excluída dos perdões reais (desde 1522) e para sempre condenada à morte (desde 1524) .

13Por estes anos, a família de Sigeu permanecia em Castela, aguardando por notícias da estabilização financeira do patriarca, único factor determinante que impedia uma reunião familiar mais célere. Essa estabilização aconteceria ainda antes da morte da líder comunera. Sigeu terá sido convidado por D. Jaime (1479‑1532), duque de Bragança, a integrar o serviço da sua Casa como preceptor dos seus filhos (homens e mulheres). O humanista, pressionado (segundo o próprio) pela sua senhora, aceitou o convite e, em 1530, reunir‑se‑ia com a restante família no Paço Ducal de Vila Viçosa, em Évora, onde permaneceria durante duas décadas (entre 1529/30 e 1549/50). Seria nesse ambiente que Sigeu iria educar as suas duas filhas nas letras clássicas – e iniciar Luísa nas orientais.

  • 29

    Luísa Sigeia, «Carta enviada a Alonso de Cuevas (años 1554‑1555)» in:

    Prieto

    Corbalán

    , 2007, p. 10 (…)

  • 30

    A carta seria, talvez, um ensaio para uma futura epístola que a erudita eventualmente enviaria à f (…)

14O ano de 1530 tornar‑se‑ia, assim, um marco na vida desta mulher humanista: Luísa não só retomou a sua ligação afectiva com o pai, como também iniciou, verdadeiramente, a sua educação. Esta transmissão paterna dos saberes humanistas seria recordada em, pelo menos, duas das suas cartas datadas da década de 1550. A primeira, escrita, possivelmente, em 1554/1555, destinada ao cunhado, Alonso de Cuevas, referia explicitamente a proximidade educacional que Luísa mantinha com o progenitor: «mi padre […] quien fue mi preceptor en muchos de mis estudios» . Mais flagrante são as palavras que Luísa envia a Filipe II de Espanha, em 1559, com o intuito de conseguir um lugar para o seu marido na corte do filho de Isabel de Portugal :

  • 31

    Luísa Sigeia, «Carta dirigida a Felipe II (año 1559)» in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 119.

Aunque soy toledana de nacimiento, no obstante, crecí entre los lusitanos y tengo mis ancestros entre los galos. Gracias a mi padre y a mis otros preceptores tengo un conocimiento nada mediocre de las lenguas latina, griega, hebrea, caldea y arábica .

  • 32

    Vid. 

    Parker

    , 2004, p. 599.

  • 33

    Vid. 

    Parker

    , 2002, p. 133.

  • 34

    Vid. 

    Borreguero Beltrán

    , 2011, p. 85.

15A importância das palavras de Luísa é notória, destacando‑se proeminentemente duas passagens: «crecí entre los lusitanos» e «Gracias a mi padre». Nesta carta que resume a sua vida, a primeira competência que a erudita opta por apresentar é a educação linguística pela mão do seu próprio pai, ao lado de outros preceptores, que, note‑se, não são enunciados. Tal como aconteceu com outras mulheres, como Alessandra Scala, Olimpia Morata ou Francisca de Nebrija, os primeiros saberes adquiridos advieram da transmissão afectiva proporcionada pela convivência familiar. No entanto, há que ter em conta que Luísa: não era filha do chanceler de Florença, Bartolommeo Scala, que atribuiu à filha os grandes mestres de línguas clássicas ; não cresceu na corte do duque de Ferrara, onde Morata floresceu e onde foi celebrada, uma e outra vez ; nem colaborou na pena ou na vida universitária do pai, como Nebrija conseguiu . Por isso, e apesar de Sigeia não ser, claramente, caso único de uma educação levada a cabo pelos ascendentes directos, o seu ambiente educacional foi bem diferente.

  • 35

    Sobre D. Jaime, vid.

    Rosa

    , 1998; Gonçalves, 2013; Lopes, 2016.

  • 36

    Sobre a corte humanista da Casa de Bragança nos inícios do século 

    xvi

    , vid. 

    Matos

    , 1956.

16Sabemos que Luísa estaria já familiarizada com as letras clássicas quando se mudou para Portugal, como antes referimos, mas foi no Paço Ducal de Vila Viçosa que desenvolveu os seus saberes humanísticos pelo esforço do seu pai, crescendo na convivência de mulheres (e homens) superiores à sua condição social. Terá sido, portanto, também nos inícios da década de 30 do século xvi que, pela primeira vez (e contando apenas oito anos de idade), Luísa contactou com uma materialização do conceito de corte. Por estes anos, os corredores do Paço Ducal eram palmilhados não só pelos dois descendentes do primeiro casamento do duque (D. Teodósio e D. Isabel), mas também pelos filhos do segundo matrimónio (D. Joana, D. Jaime, D. Constantino, D. Fulgêncio e D. Teotónio), enlace celebrado uma década antes, em 1520 . Para a educação da sua prole, D. Jaime chamara diversos mestres dos vários ramos pedagógicos da época , entre eles, precisamente, o pai de Luísa. Por isso, esta, assim como a irmã e os irmãos, cresceria numa corte humanista, educada por um pai humanista, ao lado de preceptores humanistas, num ambiente de cultivo das letras, música e demais saberes humanistas.

  • 37

    Relembremos que o pai das Sigeia foi mestre do duque e dos seus irmãos, tendo ensinado também os s (…)

  • 38

    As palavras de Francisco de Monçon resumem com clareza esta proximidade que se desenvolvia entre a (…)

17As ligações que existem entre os membros da família Sigeia e a Casa de Bragança são próximas e prolongam‑se no tempo . Essas ligações seriam, naturalmente, resultado de uma convivência imediata, pautada por uma infância e adolescência passadas num dia‑a‑dia ducal, que transpirava um ambiente de etiqueta, influência e poder, componentes essenciais de uma corte que secundava a da Casa real. O elo que Luísa desenvolveu com os filhos de D. Jaime, principalmente com a infanta‑duquesa D. Isabel (a. 1512‑1576), ter‑se‑á revelado próximo, pois aquando do casamento de D. Isabel com o infante D. Duarte (1515‑1540), realizado, precisamente, no Paço Ducal, em 1537, Luísa (tal como a sua irmã Ângela) terá sido integrada no séquito da noiva .

  • 39

    Alfonso García Matamoros, na sua Apología, publicada em 1553, refere, explicitamente, que foi a ra (…)

  • 40

    «item Luisa de Sygea latina com dezaseis mill reaes por ano», in: ANTT, Casa Real, Núcleo Antigo, (…)

18Em Abril de 1537, em Vila Viçosa, celebrou‑se o casamento da infanta‑duquesa D. Isabel, irmã de D. Teodósio, com o infante D. Duarte, irmão do rei D. João III, tendo estado presente o rei, mas não a rainha D. Catarina (grávida de sete meses) nem a Sereníssima infanta. Ainda nesse ano, e após o matrimónio, o casal mudou‑se com a corte para Lisboa e Luísa terá seguido a sua senhora, que, após a morte precoce do marido, em 1540, se estabeleceu, com as duas filhas pequenas (Maria e Catarina), em aposentos contíguos aos da rainha. Esta proximidade de D. Isabel com D. Catarina implicou, num primeiro momento, a criação de ligações entre as damas da Casa da rainha e as damas da infanta‑duquesa e, possivelmente, mais tarde, a troca ou incorporação de mulheres entre ambos os lados. Assim, D. Isabel teria disponibilizado, para o serviço da rainha e provavelmente a pedido da mesma , os conhecimentos de Luísa Sigeia, que venceu assento num livro de moradias de D. Catarina, pela primeira vez, em 1543, auferindo, anualmente, 16.000 reais, pelo seu ofício como latina .

19Contudo, a passagem para a Casa da rainha terá acontecido antes desta data. Sabemos que a jovem escreveu a sua primeira carta ao papa Paulo III em 1540, pois, na carta poliglota enviada ao Sumo Pontífice, em 1546, Luísa refere uma anterior, remetida seis anos antes pelo intermediário Girolamo Britonio:

  • 41

    Luísa Sigeia, «Carta enviada ao Papa Paulo III juntamente com o poema Sintra. Datada do início de (…)

[…] incitada também pelo conselho do egrégio poeta e filósofo Britonio, a quem, se bem me recordo, já lá vão seis anos eu, um pouco ousada, incumbira de levar a Vossa Beatitude as minhas ainda imaturas primícias .

  • 42

    «Carta de un escolástico toledano a Luisa Sigea (1542)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 147, n. 1.

  • 43

    São várias as passagens que se referem ao pai de Luísa. Vid. «Carta de un escolástico toledano a L (…)

  • 44

    «Carta de un escolástico toledano a Luisa Sigea (1542)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 149.

20Também sabemos que, em 1542, a latinista já havia sido admitida na corte régia, pois temos registo de uma carta sem data, enviada para Luísa, a partir de Toledo, por um «scholasticus toletanus» . Esta epístola seria a resposta a uma outra que Luísa terá enviado para quem se pensa ser Juan de Vergara, humanista que frequentou a universidade de Alcalá de Henares nos mesmos anos que Diogo Sigeu, pai da erudita, de quem seria próximo . Nesta carta‑resposta, percebemos que Luísa lhe dera a novidade de que havia sido integrada na corte régia (supomos), pois o humanista escreve‑lhe o seguinte: «Por lo demás, con respecto a tu admisión en la corte (lo que me cuentas al final de tu carta) te felicito por el favor que te han concedido tan grandes príncipes» .

21A historiografia data esta epístola em 1542 com base nas informações dos livros de moradia, que registam Luísa vencendo assento em 1543, como temos vindo a frisar; mas cremos que o ano da sua redacção poderá ser anterior. É possível que a integração na Casa da rainha só tenha acontecido oficialmente em 1543, o que não impede o exercício de funções em momentos anteriores.

  • 45

    Em suma, a carta poliglota de 1546, a resposta do Papa em Janeiro de 1547 e a segunda epístola de (…)

  • 46

    «Que a este se digne Vossa Santidade mandar admitir na Sua Família, assegurando uma condição de vi (…)

  • 47

    Vid. 

    King

    , 1994, p. 208‑209. Sobre a correspondência de Cassandra Fedele, que inclui destinatárias (…)

22Seria, portanto, na corte portuguesa que a jovem latinista iria construir a sua reputação, reputação essa que escalou em 1546 e 1547, anos em que trocou correspondência com o Papa Paulo III . Apesar de não o dar a entender explicitamente na primeira carta, sabemos, pela segunda, que uma das razões que justificam essa comunicação epistolar com o Sumo Pontífice cinge‑se ao pedido de mercês para os irmãos Diogo e António (mas não para a irmã Ângela, note‑se) . Luísa não foi a única a corresponder‑se com o representante máximo da Igreja Católica, principalmente tendo em mente o mesmo objectivo. Também Cassandra Fedele escreveu ao Papa, em duas ocasiões distintas. A primeira carta, da qual não terá obtido resposta, escreveu‑a em 1521 a Leão X, procurando, precisamente, uma pensão com que pudesse subsistir. A segunda, enviou‑a 26 anos depois, no ano de 1547, ao papa Farnese, Paulo III. Contrariamente ao que se sucederia com Luísa, que, depois da segunda carta, receberia um eterno silêncio, Fedele conseguiu uma contestação pontifícia, que resultaria na sua nomeação como «prioresa do orfanato da Igreja de San Domenico di Castello, onde trabalhou até à morte e onde foi sepultada» .

  • 48

    Sobre o poema, vid. 

    Sauvage

    , 1972;

    Pinto

    , 1996, t. 1, p. 137‑138. A edição portuguesa mais recente (…)

  • 49

    Sobre estas duas personagens, vid. 

    Vasconcelos

    , 1994 [1902], p. 37-38;

    Pinto

    , 1996. Sobre Joana Va (…)

23A acompanhar a missiva poliglota (a primeira carta ao Papa e a única a ser respondida), Sigeia enviou o seu poema Syntra, composição bucólica dedicada à infanta D. Maria, composta em inícios desse ano de 1546, que evocava um dos muitos projectos de casamento a si destinados , e que lhe terá valido um bilhete de entrada ao serviço da Sereníssima, tornando‑se secretária da infanta, ingressando, assim, numa corte feminina que exibia os frutos da erudição, como Joana Vaz (ao serviço da Casa da rainha desde, pelo menos, 1529) e Paula Vicente, filha do dramaturgo Gil Vicente .

  • 50

    O nome de Luísa surge em dois livros de moradia D. Catarina de 1550, acompanhando a sua função de (…)

  • 51

    Vid. 

    Baranda

    , 2006, p. 5.

  • 52

    Deste ano, data a mercê de 25.000 reais aquando do casamento da erudita. Trata‑se do documento mai (…)

  • 53

    Pinto

    , 1996, t. 1, p. 67.

24Contudo, o seu nome surge nos róis de moradia da rainha dos anos de 1550 , 1551 e 1552 . Tal como as nomeações tardias para cargos que estariam já a ser desempenhados, também homens e mulheres podiam servir um membro da família real e, ao mesmo tempo, ter assento no livro de moradias de outro. É o caso, entre outros, de Domingos Leitão, que «tem um percurso muito ligado à Infanta [D. Maria], apesar de se encontrar ao serviço da coroa portuguesa desde 1544» , ou de Joana Vaz, que recebia da Casa de D. Catarina.

  • 54

    «Carta enviada a Alonso de Cuevas (años 1554‑1555)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 107.

  • 55

    «Carta dirigida a Felipe II (año 1559)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 119.

  • 56

    Vid. «Alvará da rainha D. Catarina para se dar a Diogo de Ligea [sic] 25.000 réis para sua filha, (…)

  • 57

    Sobre Francisco de Cuevas, vid.

    García Rámila

    , 1950, p. 97-98, n. 1;

    García Rámila

    , 1958;

    García R

    (…)

  • 58

    Após a morte da rainha titular, em 1555, o rei‑imperador atribuiu a Francisco de Cuevas uma mercê (…)

25Aliás, numa carta para o cunhado Alonso, Luísa escreve que foi «admitida en la corte de los reyes» , ideia que reforça numa outra carta, desta vez a Filipe II de Espanha, esclarecendo que: «De muy buen grado fui admitida en la Corte Lusitana, y para la Sereníssima Infanta María realicé con honor la función de maestra» . Foi também do tesoureiro da rainha D. Catarina, Álvaro Lopes, que Diogo Sigeu recebeu 25.000 reais de mercê, em Setembro de 1552 , pelo casamento da sua filha com o fidalgo burgalês Francisco de Cuevas (1519/20‑1599) , que tinha assento nos livros de moradia da rainha Juana, mãe de Carlos V, como «ayuda de copa» .

  • 59

    Borreguero

    Beltrán

    , 2011, p. 82.

  • 60

    Sobre Beatriz Galindo, vid. 

    Borreguero Beltrán

    , 2011, p. 82‑84.

26Assim, Sigeia poderia auferir moradia da Casa da rainha, ao mesmo tempo que desempenhava funções na Casa da infanta, visto que ambas as suas obras, como vimos, foram dedicadas à Sereníssima. Contudo, Luísa nunca alcançou o estatuto que conseguiram várias puellae doctae espanholas, como, por exemplo, Beatriz Galindo. La Latina, como era apelidada, nasceu num berço nobre salmantino que lhe permitiu o estudo aprofundado da «cultura y lenguas clásicas, así como de filosofía» , levando o seu nome pelas bocas de todo o reino. Quando o mesmo berço se preparava para a enviar para um convento, Isabel a Católica chamou‑a à sua corte, designando‑a preceptora das infantas suas filhas, e travando com ela uma relação que manteve até ao fim do seu reinado . Portanto, independentemente da corte onde permanecia, o reconhecimento social da erudição de Luísa parecia não surgir.

27A erudita, porém, não olvidava o resto do mundo humanista, principalmente Itália. Na sua carta ao núncio papal Pompeo Zambeccari, em 1551, Sigeia agradece o presente que este lhe levou:

  • 61

    «Carta dirigida a Pompeyo Zambecari (año 1551)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 103. A poliglota re (…)

El libro de la divina Vittoria Colonna que me regalaste es y será siempre para mí más querido que la misma luz, tanto por la autora como por el que me ha hecho el presente .

  • 62

    Sobre Colonna, vid. 

    Cox

    , 2005.

  • 63

    Vid. 

    Parker

    , 2004, p. 591-592.

  • 64

    Vid.

    Jardine

    , 1985.

  • 65

    Para ambas, vid. 

    Jardine

    , 1985, p. 814.

28No entanto, não conhecemos nenhuma epístola de Luísa à marquesa poetisa Vittoria Colonna ou a qualquer outra mulher humanista. Não seria incomum a correspondência entre figuras femininas do mundo das letras. Mencione‑se, por exemplo, Costanza Varano (de quem Colonna era descendente ) e Isotta Nogarola (que também se correspondeu com homens , tal como Sigeia), ou Alessandra Scala e Cassandra Fedele . No entanto, Luísa não terá enveredado pelos mesmos caminhos epistolares, ou, pelo menos, até nós, não chegaram vestígios desses escritos.

  • 66

    Recorde‑se que esta obra permaneceu manuscrita até 1970, ano em que foi editada por Odette Sauvage (…)

  • 67

    «À Sereníssima Infanta D. Maria, filha do divino Manuel, rei todo poderoso de Portugal, dedicado p (…)

  • 68

    Odette Sauvage dedica um longo parágrafo a esta questão, sugerindo algumas das obras que Luísa pod (…)

  • 69

    Não parece ter sido intenção de Luísa ascender a um cargo universitário, posição alcançada por Lui (…)

29É no ano do seu casamento, em 1552, que Luísa termina o Colloquium , declarando: «É seu autor esta vossa aia, lugar de redacção a vossa biblioteca e, mais ainda, foram os vossos excelentes livros os auxiliares para produzir a obra» . Portanto, durante o seu serviço na corte da infanta (ainda que recebesse moradia da Casa da rainha), Luísa teve à sua disposição, como local de trabalho, a biblioteca da Sereníssima, e os volumes nela presentes como obras de consulta . Porém, a terminologia utilizada reflecte, em parte, as dinâmicas vividas no meio cortesão. Independentemente de onde exercia a sua ocupação humanista – se na Casa da rainha, se na corte da infanta – Luísa ocupava uma posição subordinada .

  • 70

    Também chamado discurso anti‑áulico. Sobre esta temática, vid. Alves, 1990, p. 64;

    Buescu

    , 1996, p (…)

  • 71

    Buescu

    , 1996, p. 207.

  • 72

    Vid. 

    Alves

    , 1990, p. 66.

  • 73

    Faça‑se referência ao estudo de Mar Martínez Góngora, que analisou outros escritos sigeianos atrav (…)

30Sem pretensões de empreender uma análise profunda da obra, importa referir que uma das principais características deste diálogo passa por este se inserir num discurso amplamente cultivado na época: o discurso anticortesão . Com o Colloquium, ao qual já fizemos referência na introdução deste estudo, Luísa tenta integrar‑se na tradição da «reflexão sobre o “lado nocturno” da corte» , na forma rara de um diálogo feminino . Fá-lo, porém, numa conjuntura e num contexto relativamente perigosos para a sua condição social, visto que a erudita, como tantos outros, e ainda mais como mulher, depende da corte para subsistir. Este género de discurso, que apenas aqui começa a surgir de forma explícita, estará presente nas cartas que a puella docta escreve até aos seus últimos dias. Do seu epistolário, composto por 27 cartas (21 latinas e 6 castelhanas), iremos destacar algumas referências que considerámos devedoras desta condição que acabámos de apresentar .

  • 74

    Vid. Luísa

    Sigeia

    , «Carta enviada a Ludovico Pannonia (años 1553‑1554)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007 (…)

  • 75

    Ibid., p. 104.

  • 76

    Loc. cit.

31Terá sido em 1553 ou 1554, ainda na corte portuguesa, em Lisboa, que Luísa dirigiu uma epístola a Ludovico Pannonia, embaixador do rei da Hungria, Fernando I (1503‑1564), irmão de Carlos V, rei‑imperador, que estaria em Portugal para fazer uma proposta de casamento à infanta D. Maria . Pannonia teria perguntado a Sigeia «si existían en la Biblioteca de mi Serenísima Princesa retratos de hombres ilustres» , prometendo enviar‑lhe «representaciones de hombres tales que eleven el espíritu hacia el amor de la verdadera gloria» , ao que Luísa teria respondido que o culto da imagem seria reprovador num espaço como aquele (o da biblioteca da infanta), desviando as atenções dos preceitos que realmente interessavam: os estudos.

  • 77

    Loc. cit.

  • 78

    Loc. cit.

32Curiosamente, o parágrafo que sucede a este sugere um serviço prestado à infanta, que repreendeu Sigeia pela recusa que apresentou ao embaixador. Nele, Luísa confessa que a Sereníssima reprovou o seu gesto, tendo‑lhe ordenado que «con diligente habilidad y rapidez te pida [a Pannonia] que seas fiel a tus promesas» , acrescentando que «te harás acreedor de nuestra gratitud si nos envías medallas o retratos de hombres» . Poderiam ser tiradas diversas conclusões destas palavras, mas a parte que mais nos interessa é a que fecha a epístola, pois é nela que a erudita reconhece o seu lugar perante o círculo humanista e social em que se insere:

  • 79

    Ibid., p. 105.

Complacerás así a mi Princesa […], y a mí me ofrecerás los estímulos necesarios para compararme, al menos en mi pensamiento, con la gloria de esos insignes varones, ya que de ninguna manera puedo hacerlo en la realidad

  • 80

    O termo, com o significado que aqui se exerce, foi cunhado por Margaret King (vid.  

    King

    , 1994, pr (…)

33Sublinhamos a última parte desta citação, pois esta é o reflexo do mal‑estar que Luísa sente na corte portuguesa e é um sentimento que veremos repetir‑se noutras cartas, depois de abandonar o ambiente áulico português. Destaque‑se, também, que a comparação que Sigeia pretende fazer é com os insignes varões e não com as outras mulheres letradas da sua época. A erudita tinha consciência da sua posição social enquanto mulher e parece que se via obrigada a recusar o seu sexo, a transformar‑se numa «amazona» , a fim de ascender a esse círculo da glória humanista.

  • 81

    A historiografia sigeiana data esta epístola de finais de 1554, supondo‑a escrita, portanto, ainda (…)

  • 82

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta enviada a Alonso de Cuevas (años 1554‑1555)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 1 (…)

34Antes da passagem para Espanha, que aconteceria em breve, Luísa escreveu ao cunhado, Alonso de Cuevas, uma carta que parece anunciar a despedida de Portugal. Nesta carta, a que já fizemos referência e que, na realidade, é apenas um fragmento , Luísa mostra‑se desalentada por ser «una carga para mi marido, cuando debería ser una ventaja» . As razões para esse aparente desalento são apresentadas pela própria:

  • 83

    Loc. cit.

A pesar de haber trabajado desde mis tiernos años con fatiga y desvelo en el estudio de tantas lenguas y de otras artes, y de haber sido admitida en la corte de los reyes, antes por las súplicas de los príncipes […] tras trece años de celosa servidumbre, ahora veo que se me niega la recompensa más que merecida por mis estudios y por el penoso vasallaje en aquella corte .

  • 84

    Loc. cit.

  • 85

    Vid. Luísa

    SigeIa

    , «Excerto de Carta ao Papa Paulo III em Julho de 1547», in:

    Anastácio

    , 2013, p.  (…)

35A menção à desproporcionalidade que Luísa considera existir entre os anos de estudo e a falta da recompensa devida pelo meio cortesão português é recorrente nas suas cartas e tinha sido já sentida em 1552, no seu Colloquium, como já fizemos notar. Contudo, é também nesta epístola que encontramos uma das melhores representações da personalidade humanista que Luísa constrói de si mesma. A vantagem a que se refere quando escreve que é um encargo para o marido é uma vantagem que «conviene a una mujer destinada a un destino poco común» ; a erudita já fizera uma alusão semelhante quando escrevera a Paulo III, requisitando um ofício para cada um dos irmãos, em 1547 .

  • 86

    Sobre Juana, vid. 

    García Rámila

    , 1958;

    García Rámila

    , 1959 (a);

    García Rámila

    , 1959 (b);

    Monteiro

    , (…)

  • 87

    Pelo menos, a mais longa do conjunto das cartas que chegaram até nós.

  • 88

    Cannobio esteve na corte portuguesa como comissário e colector apostólico do mesmo príncipe romano (…)

  • 89

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Juan Francisco Canobio (año 1555)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p.  (…)

36Em 1555, provavelmente pouco depois do falecimento, em Abril, de Juana de Castela, mãe de Carlos V, Sigeia e o marido mudaram‑se para Burgos, cidade que veria nascer, dois anos mais tarde, a primeira e única filha do casal, Juana (1557‑1593) . Aqui, Sigeia escreveu a carta mais longa do seu epistolário , endereçada a Giovanni Francesco Cannobio, camareiro do papa Júlio II , em Outubro de 1555 . Esta era uma resposta a uma epístola que Cannobio lhe havia enviado anteriormente, resposta essa que a erudita atrasara propositadamente. Conseguimos quase reconstruir a carta que o camareiro remeteu à poliglota, pois Luísa parece organizar a sua carta‑resposta pelos temas presentes na epístola que recebera. Depois de agradecer os elogios e argumentar os motivos do seu atraso, a poliglota regista o seguinte:

Pero en cuanto a que en el principio de tu carta lamentaras que el país lusitano esté totalmente privado de buenos talentos (argumentando que eso sucede porque yo no estoy allí), te diré que ciertamente haces un juicio equivocado sobre esa tierra, puesto que los gérmenes de la erudición se multiplican cada día en ella y se desarollan en fecundísimos árboles de la ciencia, de tal modo que podrás ver, hablar e incluso entablar amistad con muchos hombres doctísimos de los que este país está lleno.

  • 90

    Ibid., p. 108.

No hay, créeme, por qué lamentar la escasez de buenos talentos; compadécete más bien de aquellos que desde sus más tiernos años hasta ahora se han dedicado al servicio de las bellas artes […] .

37Portanto, os elogios de Cannobio passavam por engrandecer Luísa, apresentando uma imagem denegrida da corte portuguesa, ao que a poliglota respondia que, pior do que não existirem eruditos – que os havia – era o desprezo com que estes seriam tratados, depois de tantos anos de estudo e dedicação às artes. Por outras palavras, Luísa estava a falar de si mesma. Ela, que embelezara a corte do Paço da Ribeira com a sua erudição, sentia‑se desprezada pelos príncipes, não obtendo as recompensas que considerava ter direito. Esse sentimento transformou‑se, claramente, numa visão negativa da corte, repleta de vícios e, principalmente, de desdém em relação aos estudos. Sigeia acrescenta, ainda, que:

  • 91

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Juan Francisco Canobio (año 1555)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p.  (…)

[…] porque ahora se piensa que las alegrías sólo se encuentran en la posesión de los bienes materiales y se han perdido los valores de la vida, y todas las artes que se llaman por su mayor bien liberales están en una grave decadencia. […] Pues una monstruosa y perniciosa convicción ha invadido la mente de los hombres, a saber, que los príncipes no deben entregarse a los estudios de filosofía, de donde los doctos deberían recibir los premios de su trabajo, o bien que han de libarse con la punta de los labios, como en un juego, para ostentación del cultivo más de su ingenio que de su alma .

38Voltamos a observar aqui a crítica feroz ao ambiente cortesão, exposta, primeiramente, no Colloquium. A acompanhar esta crítica, surge uma confissão:

  • 92

    Loc. cit.

Te confesaré […] que prefiero de buena gana esta casa, mis estudios y la diversión de mis libros y, en una palabra, la paz de mi espíritu, a los palacios de los reyes, a los honores públicos y a los vientos inconstantes de la curia .

  • 93

    Sobre Magdalena de Padilla, vid. 

    Monteiro

    , 2019 (a), p. 104‑106.

39Luísa não poderia ser mais transparente: a sua relação com a corte, num sentido amplo, é paradoxal, porque, ao mesmo tempo que lhe permitia o cultivo do conhecimento, característica que a poliglota elogiava sem precedentes, obrigava‑a a subsistir num ambiente que cultuava a dissimulação e as aparências, peculiaridades que a erudita repudiava. A corte era, por isso, um local de ilusões com quem Luísa construíra uma relação antagónica, mas também, e sobretudo, tóxica, porque a consumia, e venenosa, porque a enganava. Aliás, sobre esta ilusão, a poliglota aconselha, em 1556, e ainda sem uma ocupação remunerada, uma jovem nobre chamada Magdalena de Padilla , com quem terá tido um contacto próximo e a quem orienta, com clareza:

  • 94

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Magdalena de Padilla (año 1556)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 11 (…)

Cuídate, ilustre Magdalena, pues los venenos se ofrecen siempre envueltos en miel y se quieres saborear completamene el fruto de las Musas y entrar en sus aposentos […] ante todo arranca la sobrebia de tu alma y renuncia a la arrogancia […]. Cuando te ocupes de los asuntos de la Corte no hables de las Musas, y cuando trates de las Musas no hables de la Corte .

  • 95

    Loc. cit.

40A estas últimas palavras, seguem‑se mais conselhos sobre como se deve estar na corte, os comportamentos a ter e, sobretudo, a maneira de ser, ensinamentos que partem de «una mujer que ha enseñado a príncipes y princesas, y que no ha tenido miedo de tratar libremente con reyes sobre la ordenanza de sus estudios» .

41Luísa sabe que a corte, mais do que um espaço de produção e incentivo ao conhecimento, é um local onde o cultivo da dissimulação e da aparência ganha cada vez mais adeptos e expulsa do seu âmago, com cada vez mais afinco, as mulheres que nela e dela sobrevivem. Mas o meio áulico é a sua forma de sustento, e, por isso, um ambiente que Luísa não se pode atrever a abandonar.

  • 96

    No regresso a Espanha, Maria foi acompanhada pelos irmãos mais velhos, Carlos V (que abdicara rece (…)

  • 97

    Léon Bourdon e Odette Sauvage apresentaram as seguintes propostas de datação: inícios de 1557, Ver (…)

  • 98

    Vid. «Partida de bautismo de D.ª Juana de Cuevas», in:

    García Rámila

    , 1959 (a), p. 465.

  • 99

    Sobre os conteúdos destas cartas, além dos já citados, vid.

    Monteiro

    , 2019 (a), p. 106-108.

42Tendo deixado a corte portuguesa em 1555, Luísa irá procurar sustento junto da Coroa espanhola, primeiramente sob a protecção de Maria da Hungria, regressada dos Países Baixos em 1556 . Até nós, chegaram três cartas de Luísa para a antiga regente, epístolas cuja datação não é unânime . Seguindo a proposta de Prieto Corbalán, as duas primeiras terão sido escritas em 1556 e a terceira em 1557, quando a poliglota estava ainda grávida da sua Juana, baptizada em Agosto desse ano . O tema desta correspondência cinge‑se à admissão da erudita (e do seu consorte, Francisco de Cuevas) ao serviço de Maria da Hungria, revelando alguns pormenores interessantes .

  • 100

    São os dados que temos para o serviço de Francisco de Cuevas que nos fazem duvidar do ano em que a (…)

  • 101

    Em 1557, Luísa recebeu, de forma repartida, um salário anual de 150 ducados (56.250 maravedis). Vi (…)

  • 102

    Baranda

    , 2006, p. 7.

  • 103

    Ao que parece, o marido foi também contador de Leonor de Áustria: «le mandaron [Francisco] a servi (…)

43Digamos, apenas, que foi o seu marido o primeiro a ser admitido ao seu serviço, tornando‑se secretário da antiga rainha da Hungria, ainda em 1556 , e que Luísa, apesar de alguns contratempos, está, em 1558, efectivamente, ao serviço da regente, em Valladolid, como dama latina (sendo que já recebia pensão anteriormente ). O serviço na corte da antiga regente dos Países‑Baixos seria o último meio cortesão que Luísa frequentaria, e duraria pouco tempo. Maria morreria no final desse ano, em Outubro de 1558, deixando uma pensão anual de 56.250 maravedis a Luísa, «muger de Francisco de Cuevas, secretario que fue de su magestad» , que, por sua vez, receberia 93.750 maravedis pelos seus serviços .

  • 104

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Juan Francisco Canobio (año 1555)», in:

    Prieto Corbalán,

    2007, p.  (…)

  • 105

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Felipe II (año 1559)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 119.

  • 106

    Loc. cit.

44Relembramos que, em 1555, Luísa escrevia que preferia a paz doméstica do seu estudo aos «palacios de los reyes» , mas Sigeia sabe melhor do que ninguém que é imperativo estar na corte, pois só dessa forma poderá subsistir por mérito próprio. Percebemos, então, a carta‑petição que escreve a Filipe II, em 1559 , monarca a quem ela e Francisco pedem «refugio» para poderem «regresar honorablemente [de Valladolid] a nuestra patria [Burgos]» . Esta carta, talvez a mais conhecida logo a seguir à carta‑poliglota a Paulo III, é a carta que resume a vida profissional de Luísa, pois é nela que a erudita apresenta o seu curriculum vitae, a fim de conseguir uma ocupação na corte filipina. Depois de se apresentar formalmente, Sigeia pede ao monarca:

  • 107

    Loc. cit.

[…] que mandéis que se incluya a mi marido entre el número de vuestros servidores con un rango y unas rentas que sean apropriadas a un hombre de entre los elegidos de la Reina María .

  • 108

    «Y con respecto a que [Francisco] carece de riquezas […]» (Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Felipe  (…)

  • 109

    Pensamos que esta lacuna se deve ao facto de a carta ter sido escrita, possivelmente, antes da ass (…)

  • 110

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Felipe II (año 1559)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 120.

45Segundo ela, o pedido justifica‑se, pois embora Francisco fosse um nobre culto, era pouco afortunado . Apesar de não requerer um lugar para si mesma na corte , Luísa caracteriza‑se como «una mujer que […] sobresalió en gran manera entre las demás mujeres de su tiempo en el culto a las Musas» .

  • 111

    Vid. 

    Monteiro

    , 2019 (a), p. 111.

  • 112

    Uma no primeiro dia de Fevereiro, assinada em Toledo (vid. Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Sebasti (…)

  • 113

    Vid. Luísa

    Sigeia

    , «Carta enviada a Honorato Juan (año 1560)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 123-1 (…)

  • 114

    Vid. Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Francisco de Mendoza (año 1560)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, (…)

46Sabemos que o seu marido ingressou na corte filipina , mas Luísa não obteve qualquer resposta a esta carta‑petição. Depois deste silêncio, Sigeia escreveu várias cartas a diversas personalidades próximas do rei espanhol ou que no seu ambiente cortesão circulavam. A poliglota expediu epístolas para o embaixador de França na corte filipina, Sebastian de l’Aubespine (duas cartas ), ao preceptor do infante Carlos de Espanha, Honorato Juan , e ao bispo de Burgos, D. Francisco de Mendoza y Bobadilla , todas em 1560, ano em que a erudita viria a falecer, a 13 de Outubro. Todas elas apresentam o mesmo objectivo: conseguir um emprego na corte, nomeadamente, junto da nova rainha de Espanha, Isabel de Valois (1546‑1568).

  • 115

    «[…] vino a mí Francisco Canobio, varón cuyo nombre no ha de silenciarse nunca, y me aseguró que m (…)

47Segundo as palavras de Luísa, o embaixador francês e o preceptor do príncipe procuraram interceder por si junto da Coroa, algo pelo qual Sigeia agradece diversas vezes, por escrito. Aliás, a poliglota recebeu a visita de um intermediário para confirmar a mediação do embaixador junto dos monarcas. Esse intermediário era Giovanni Francesco Cannobio, o colector apostólico com quem Luísa trocara correspondência em Outubro de 1555, estando já em Burgos .

48Destas quatro cartas, escritas de uma forma muito semelhante, destacamos a segunda missiva remetida ao embaixador francês. Nela, Sigeia confessa ao diplomata que está cansada de esperar por uma resposta da Coroa, visto que:

  • 116

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta dirigida a Sebastián de l’Aubespine (año 1560)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p (…)

Hace veinte días que, siguiendo tu consejo, besé los pies de nuestra señora la Reina. Desde entonces no he visto ningún signo de la voluntad real y no puedo imaginar, ni mucho menos conjecturar, qué va a hacerse con mi persona. Todo está en silencio. No hay quien me haga saber si la Reina ha consultado a su marido sobre este tema, ni tampoco nadie que me diga qué piensa sobre esto el Rey. Entre la esperanza y el miedo fluctúa mi espíritu. Ciertamente la esperanza no me abandona, y con razón, porque fuiste tú el que te encargaste de nuestra solicitud; pero no puedo evitar sentir temor ante la miseria de nuestro tiempo, pues entre nosostros «la honradez es alabada, pero siente frío» .

  • 117

    Ibid., p. 122.

49Quando Luísa afirma que beijou «los pies de nuestra señora la Reina» , esta pode ser interpretada, pelo menos, de duas formas. A poliglota poderá ter estado na presença da rainha, isto é, terá existido um contacto directo com a consorte filipina, algo exequível, visto que o casal Sigeia‑Cuevas tinha ligações muito próximas ao meio áulico de Filipe II. Aliás, Sigeia demonstra, não só, conhecer alguns dos personagens que percorriam os corredores da corte espanhola, como também tem a possibilidade de contactar com eles, pois, na carta para Honorato Juan, surge o seguinte:

  • 118

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta enviada a Honorato Juan (año de 1560)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 124.

Así pués te envío el documento que me habías pedido para que se lo muestres al señor García, al que siguiendo tu consejo escribí una nota. Queda que obtengas de tu Príncipe, por cierto el feliz futuro Monarca de todos, la carta que tú sabes .

50Outra possibilidade passaria pelo contacto indirecto com Isabel de Valois. Possivelmente, a erudita terá enviado uma carta à terceira rainha de Filipe II a fim de conseguir uma ocupação remunerada na sua nova corte, mas, até nós, não chegou qualquer registo escrito deste género, exceptuando a referência que há pouco citámos. Em ambos os casos (directa ou indirectamente), a erudita lamenta‑se por não ter recebido respostas aos seus pedidos, silêncios que a deixam bastante fragilizada, a nível profissional e pessoal.

  • 119

    De entre os muitos que assinalaram a sua morte, destacamos as palavras do seu marido, que, por mot (…)

51Aquando da morte de Sigeia, a 13 de Outubro de 1560, foram‑lhe dedicados vários epitáfios, compostos pelas penas de diversos humanistas, que celebraram a sua erudição, destacando, sempre, a carta poliglota enviada a Paulo III . Ao analisar algumas das suas cartas, compreendemos os motivos que levaram os contemporâneos de Luísa – e a própria historiografia – a justificar a sua prematura morte com o desgosto provocado pela permanência na corte enquanto espaço de poder, e não apenas numa corte em específico (a portuguesa, entenda‑se).

  • 120

    Luísa

    Sigeia

    , «Carta enviada a Alonso de Cuevas (años 1554‑1555)», in:

    Prieto Corbalán

    , 2007, p. 1 (…)

  • 121

    Loc. cit.

  • 122

    Talvez isto explique a confissão de Camões a Luísa, na La Sigea de Coronado, que apresentámos nest (…)

52Relembremos que Luísa caracterizou os seus anos de serviço cortesão como «años de celosa servidumbre» , anos pelos quais lhe foi negada «la recompensa más que merecida por mis estudios y por el penoso vasallaje en aquella corte» . Esta ideia é repetida em diversas ocasiões pela erudita, por vezes de uma forma muito subtil, sendo maioritariamente usada para se referir à sua estadia na corte portuguesa. O desprezo pelos anos de estudo que alega ter recebido por parte das suas senhoras (a rainha D. Catarina e a infanta D. Maria), e o reconhecimento que sentiu ser‑lhe negado eram sintomas reveladores de um funcionamento unilateral de uma relação que pressupunha um senhor e um subordinado .

  • 123

    Vid. 

    Monteiro

    , 2019 (a), p. 115-121.

53Contudo, percebemos que a Luísa que recorda o meio áulico português com amargura é a mesma que edificou redes de influência na corte espanhola, construindo ligações com homens próximos da Coroa, actuando, assim, nos bastidores dos palcos cortesãos. Essas ligações, que ela provavelmente começara a desenhar quando ainda em Portugal (onde terá, também, criado laços de poder), iriam, mais tarde, consumar‑se no futuro da sua filha Juana e não no seu, pelo simples facto de a morte a ter abraçado mais cedo do que previra.

  • 124

    Agradecemos à Professora Doutora Carla Alferes Pinto por esta elucidativa expressão.

54Entendemos, assim, que grande parte da imagem de Luísa Sigeia, que até nós chegou, foi construída por ela mesma e cunhada nos seus próprios termos. Mas essa construção não foi suficiente para apagar as suas dificuldades de integração na corte portuguesa, marcadas pela vontade de escapatória da «roda de submissão» que a caracterizava, principalmente para humanistas como ela. Não nos podemos esquecer que:

  • 125

    Rada

    , 1994, p. 348.

[Luísa] n’était pas de haute noblesse comme une Marguerite de Navarre ou une Vittoria Colonna, elle n’était pas dans la sphère protectrice d’une Isabelle la Catholique comme Beatriz Galindo .

  • 126

    Inès Rada esclarece até que a erudita, de certa forma, perde o seu sexo e transforma‑se, simplesme (…)

55A juntar a isto, temos uma erudita que percebia que a sua condição feminina fora, e sempre seria, uma desigualdade que ela nunca poderia combater, sensibilidade que chegou a esboçar no papel . Luísa foi, por isso, uma mulher que alcançou mais do que dela era esperado, mas a quem foi negada a oportunidade de sair da própria pele e mostrar‑se mais do que uma puella docta. O seu berço e, sobretudo, o seu género determinaram os limites que a sua erudição poderia atingir. Luísa aprendeu cinco línguas antigas, correspondeu‑se com o Papa, com rainhas e reis, humanistas e membros da alta nobreza, escreveu duas obras elogiadas e serviu duas Coroas, mas o seu género e a sua condição social prenderam-na ao chão. Luísa foi humanista, mas, antes de tudo, foi mulher.

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